Encontrar um edifício residencial sustentável, do projeto ao seu uso, é uma situação rara no Brasil. O que mais existe são certificações garantindo diferentes níveis de sustentabilidade.
Os selos mais adotados para esse fim são o Aqua-HQE, da francesa Démarche HQE, o LEED, do United States Green Building Council (USGBC), e o Procel Edifica, de eficiência energética. O primeiro tem 749 edifícios certificados ou em processo, dos quais 457 residenciais em construção. No segundo, há 1.721 registros, sendo 758 certificados e, no terceiro, os dados disponíveis apontam para cinco o número de projetos residenciais que solicitaram reconhecimento em 2020, quando teve início a certificação para habitações.
Usualmente, o reconhecimento não é aplicado a toda a edificação. Pode ser apenas para as áreas comuns externas ou internas, somente a construção ou o projeto ou restrito à economia de energia. Ser sustentável, porém, envolve mais do que ter um sistema de reúso da água da chuva ou contar com iluminação natural e lâmpadas de LED.
O que os especialistas apontam é que, na prática, sustentabilidade na construção civil significa um conjunto de frentes de trabalho, que vão desde escolhas na compra de materiais usados na edificação, passando pela medição do carbono emitido por fornecedores e pela gestão eficiente de resíduos no canteiro, além de pagar salários decentes aos funcionários até respondecom rapidez e assertividade a reclamações de clientes. Algo que está ainda longe de ser o padrão do setor de construção civil.
De 11 setores analisados pela consultoria Resultante, em 2021, o segmento de construção civil, shoppings e incorporação imobiliária está na lanterninha, com apenas 39 pontos de 100 possíveis, em uma nota que leva em conta 15 temas dentro dos guarda-chuvas ambiental, social e governança. Foi o único abaixo de 50 pontos enquanto a média foi de 56 pontos. Houve uma evolução, de 8 pontos entre 2020 e 2021, mas o ritmo de avanço além de insuficiente, considera só uma pequena amostra de 24 empresas de grande porte, de capital aberto, que já precisam seguir parâmetros de governança.
Para o vice-presidente de tecnologia e sustentabilidade do Sindicato do Mercado Imobiliário de São Paulo (Secovi-SP) e CEO da Tarjab Incorporadora e Construtora, Carlos Borges, as demandas cada vez maiores do mercado financeiro sobre as grandes empresas acabam impulsionando esse movimento para todo o setor, formado majoritariamente por pequenas e médias empresas familiares. “Entendemos ESG como uma política permanente em que a questão central é o papel da empresa. Não existe para servir apenas aos acionistas, mas para servir à sociedade. Quem não adotar esse caminho não vai sobreviver no futuro”, afirma.
A questão ambiental é, sem dúvida, a mais desafiadora: o setor pontuou apenas 25 ante 47 pontos da média de todas as áreas avaliadas pela Resultante, de acordo com o consultor Lincoln Camarini. É preciso lidar com um grande número de insumos intensivos em emissão de carbono, como o aço e o cimento. Além disso, a gestão de entulhos e sobras de obras é um grande problema. O uso intensivo de água e combate a desperdícios é outra frente de ação necessária.
Dados do 2021 Global Status Report for Buildings and Construction, da Organização das Nações Unidas (ONU), apontam que o setor, em 2020, foi responsável por 36% do consumo final global de energia e por 37% das emissões de CO². Nelmara Arbex, sócia da consultoria KPMG, diz que hoje os projetos têm de se adequar às mudanças climáticas e planejar o uso racional de recursos hídricos, energia e reduzir resíduos. “No mundo, esse setor está se movendo para a economia circular. O futuro deve ser de resíduo zero. O setor tem de ajudar a regenerar o ecossistema”, diz.
Com o mercado financeiro de olho em sustentabilidade, um empreendimento ESG é visto pelos investidores profissionais como de menor risco. E uma empresa bem estruturada e sustentável pode obter vantagens financeiras. Em março deste ano, a Tegra Incorporadora, subsidiária da canadense Brookfield, captou R$ 265 milhões com a emissão de títulos de dívidas sustentáveis, os chamados green bonds. O dinheiro será usado para financiar construções com alta eficiência energética.
Os maiores avanços rumo ao ESG vêm de companhias abertas com presença na bolsa de valores. Mas elas representam apenas 15% do mercado imobiliário, de acordo com o Secovi-SP. Um exemplo é a MRV. A mineira compensa 100% de suas emissões de gases de efeito estufa (GEEs) diretas e por consumo de energia, os chamados escopos 1 e 2, [emissões de poluentes da própria atividade], por meio da compra de créditos de carbono. É a única do setor hoje listada na carteira do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), da B3.
Eduardo Fischer, copresidente da construtora, conta que a companhia está investindo em plantas fotovoltaicas próprias, em Minas e na Bahia, para transformar o consumo das operações em energia renovável. Com essas usinas, a expectativa é atingir a compensação de 10% da demanda energética das operações no âmbito dos escopos 1 e 2 e, a partir daí, começar a trabalhar o escopo 3, que observa a cadeia. A meta é ter seis usinas do tipo nos próximos cinco anos, que responderão por 80% da operação.
“Começamos em 2021 nosso esforço para primeiro mapear a cadeia e depois os maiores fornecedores, como os produtores de cimento e aço. Quero primeiro mostrar aos fornecedores e depois discutir com eles ações para redução”, conta Fischer ao Prática ESG.
Ele diz que já passou o recado de que o critério de escolha na hora da compra deixará de ser apenas técnico e passará a contar com a avaliação da pegada de carbono.
O mapeamento da cadeia é um elo importante, porém, difícil de ser atingido. Alguns fornecedores - os maiores - estão mais avançados. É o caso da Gerdau, fabricante brasileira do chamado aço limpo. A indústria de produção de ferro e aço emite atualmente entre 7% a 9% das emissões globais de CO2. Isso representa 1,83 tonelada de CO2 por tonelada de aço produzido, segundo dados da Associação Mundial do Aço (Worldsteel Assciation). Na Gerdau, porém, as emissões estão em 0,93 tonelada de CO2 por tonelada de aço. Um dos motivos é que 73% do aço produzido por ela tem a sucata ferrosa como principal matéria-prima, resultando em efeitos positivos na mitigação das mudanças climáticas. Cada tonelada de sucata reciclada evita a emissão de 1,5 tonelada de CO2, segundo a companhia. Outro problema que o setor precisa lidar é com a gestão de seus resíduos. A Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição (Abrecon) calcula que são produzidos 520 quilos de resíduo por habitante/dia. Apesar de 98% dele ser reciclável, só 21% vão para reúso. Até por uma questão de ganho de eficiência - foco em construções populares, com margens de lucro baixas - a MRV vem trabalhando nos últimos anos para diminuir desperdícios. Em quatro anos, a empresa conseguiu, por exemplo, diminuir de três para uma caçamba de entulhos produzido por apartamento construído ao mudar o processo de construção.
Uma das ideias foi inverter a ordem da operação, construindo a área externa e estacionamento, com asfalto em todo o canteiro de obra, logo depois da fundação do prédio e antes de subir o edifício. “Porque o ambiente limpo é mais produtivo. Quando chove e forma lama no canteiro não asfaltado, perdemos materiais. Agora, quando termina de chover, está tudo organizado e o pessoal volta ao trabalho; a produtividade é maior e o gasto com material diminui, além de eu conseguir entregar obras mais rápidas e até mais baratas”, conta o presidente da MRV.
Há ainda outras iniciativas voltadas para gestão de resíduos para evitar perda de materiais: logística reversa, a reciclagem e a busca de material pré-moldado ou pré-fabricado que reduza a necessidade de retrabalho e a incidência de quebras. Nesse contexto, a parceria com cooperativas e empresas de reciclagem é muito importante.
Em 2021, foram destinados 139.480 metros cúbicos para a reciclagem. Isso tudo contribuiu para a companhia reduzir os custos totais da obra em 8% em seis anos.